domingo, 30 de maio de 2010

Dia 2

Dia 2.

Mal me aguento. Os meus membros estão uma desgraça. Doridos. Muito doridos.
Não tenho conseguido dormir.
A única coisa em que me consigo concentrar é no sofrimento que posso causar.
Desejo que as asas estejam arruinadas, que já não possa voar.
Impossível.
Sou eu que estou arruinada. Sou eu que já não posso voar.
Os meus animais também repararam. Estão tristes.
São os meus únicos companheiros.
Verdadeiros. Sem mentiras ou falsidades.

Continuo a querer desaparecer, a renascer.

sábado, 29 de maio de 2010

Um anjo caíu.

Sim, um anjo caíu.
Hoje acordei cedo. Acordei é como quem diz. Não dormi sequer.

É um bom dia para se morrer e hoje desejei isso mesmo: morrer.

Mentira. Continuo a desejar abandonar este meu corpo e começar sem qualquer memória noutro. Desejo nascer de novo.
Se ganhasse o Euromilhões pagaria por uma operação ao meu cérebro com o intuíto de me apagarem a memória dos últimos eventos.
Provavelmente iriam apagar muito mais que isso. Não me importaria. Mesmo nada. É um preço justo. Pagaria de bom grado.

Daria ao nada os meus conhecimentos mais queridos: matemática, química, desenhar... tudo. Daria isso tudo em troca da minha memória apagada.
Quero-a apagada.
Não quero voltar atrás. Não quero desfazer nada do que fiz. Absolutamente nada. Só quero esquecer. Só, só, só. Esquecer.
Quero avançar.
Só isso.

Sinto-me miserável. Não sou nenhum anjo, não fui eu que caí.

Foi ele.
E fui eu que o larguei para morrer lá em baixo, lá bem em baixo.
Os meus braços estão podres, gastos, literalmente em ferida e sim, larguei-o.
O patamar seguinte é que me preocupa. Como lá chego?

Com os olhos postos lá em baixo, como subo?
Quero olhar lá bem no alto mas estou com os olhos na poça de memórias.
Como faço para que peguem suavemente no meu rosto e desviem o meu olhar tão miserável, tão gasto, tão enojado de lá de baixo?
Como?

Um dedo indicador que aponta lá para cima.
Não é pedir muito, não quero uma bengala, quero uma ajuda.
Estou a pedir ajuda, a ajuda que nunca virá pois ninguém o pode fazer, mesmo que queira. Ninguém irá ser aceite.
E é isso que eu sou.
Quero ajuda e não a vou aceitar.


Olho lá para baixo e incrivelmente, a vontade de descer é tanta que fiquei doente.
Mas é impossível voltar.
Eu vi. Com os meus olhos.
Ninguém me disse, não li nada, não pensei nada.
Eu vi.
E eu larguei.
Não voltei a apanhar.
Não irei fazer isso.

Nunca mais.
Só quero apagar.
Essa ajuda, sim, vou aceitar.
Apaga.